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Ser "Comando" Relato na pessoa do antigo Alf. Milic. João Ricardo

Comandante do 3º Grupo de Combate da 37ª C.Comandos em substituição do Alf. Santos

Em Janeiro de 1972 deixei a Casa Pia para ingressar no serviço militar obrigatório. Assentei praça na Escola de Sargentos do Exército em Caldas da Rainha para fazer a recruta como soldado instruendo, durante a recruta fui convidado a fazer testes para a passagem à classe de oficiais. Feitos os testes físicos, psicológicos e psicotécnicos com resultados positivos fui então colocado como Cadete, em Lamego num curso muito exigente tanto no aspeto físico como psicológico de “Operações Especiais”, os chamados “Rangers”. Poucas semanas depois de iniciado o dito curso surgiram no CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais), de Penude, Lamego alguns oficiais “Comandos” a pedir voluntários para integrarem um curso desta especialidade, que se iria iniciar dentro de dias no (CIC), Centro de Instrução de Comandos no Grafanil, Angola. Depois de alguns segundos (ou minutos) de ponderação para avaliar os prós e os contras, dei um passo em frente, tomando uma decisão que provavelmente modelou todo o meu percurso de vida. Poder-se-à imaginar o estado de espírito de meus pais, namorada e outros familiares e amigos quando inesperadamente lhes dei a notícia que “na próxima semana vou para Angola, para os Comandos”. Na época os militares desta tropa especial eram vistos pela população como malucos, inconscientes e outros adjetivos não muito abonatórios da sua sanidade mental.

Posso partilhar aqui o porquê da minha decisão na altura. É que depois de terminado o curso de “Operações Especiais” tinha como garantida a ida para uma das três então províncias ultramarinas em litígio, sendo integrado na tropa normal, que merecendo-me todo o respeito, mas que, por não ter a seleção e a preparação das tropas Comando não me poderia dar garantia de uma resposta operacional adequada às exigências da guerra que iríamos encontrar e da preparação a que eu tinha sido sujeito. Esta é a explicação lógica e racional, depois confirmada na prática. Mas na altura a decisão foi tomada “apenas” pelo gosto da descoberta, da aventura, do porquê da fama dos Comandos

Em 15 de Maio de 1972 embarquei com mais 15 colegas voluntários, num avião da TAP com destino a Luanda, Angola, onde iria integrar um curso da tropa de elite do exército português os “Comandos”.

Com uma carga fortíssima de ação física e psicológica, por vezes a roçar o limite do racional, tinha por objetivo transformar adolescentes (20 anos), em homens preparados para superar as duras provas que uma vida operacional muito ativa lhes iria exigir. Em Outubro de 1972 (acabado de fazer 21 anos), no Léua, Leste de Angola, durante a operação “Mini Ciroco” recebi o distintivo que me identificava como Comando, as divisas com um galão dourado que me atribuía o posto de Alferes Miliciano e era integrado numa companhia operacional. Dos 16 que começaram o curso só 7 o terminaram com a receção do ambicionado crachá. Apesar da rigorosa pré-seleção a que eram sujeitos os candidatos à tropa comando, durante o curso a sua maioria ficava pelo caminho por incapacidades físicas, intelectuais ou morais.

Passava então a comandar um grupo de 24 homens (o 3º grupo de combate da 37ª Companhia de Comandos) a ser responsável por tudo de bom e de mau que lhes pudesse acontecer, por vezes em situações extremas, muitas vezes com a própria vida em risco, a ter de tomar decisões que iriam influenciar toda a vivência do grupo. Tinha a plena consciência de que se eles dependiam das minhas decisões, a minha vida também dependia do seu comportamento, da sua coragem, determinação e da confiança que em mim depositassem. E daí ficou a partilha, a solidariedade, o respeito, a lealdade, a determinação e ficou também a amizade. São momentos que moldam caracteres, que por vezes alteram toda a maneira de ser, de viver, de estar na vida. Foram tempos difíceis mas com momentos muito gratificantes, e são esses, que tento recordar. São essas recordações que nos fazem reunir em almoços/convívio todos os anos.

Mas a história não pode ser esquecida, nem os 8290 homens que pereceram nos treze anos que durou a guerra colonial, nem os milhares que mutilados, cegos ou que de qualquer outra forma ficaram incapacitados ou limitados para todo o seu futuro. E neste âmbito todos nós, que por lá passamos, temos a obrigação moral de não deixar cair no esquecimento este período fundamental das nossas vidas em que a distancia entre a vida e a morte se poderia medir em pequenas frações de segundo ou na reação ou decisão nossa, ou de qualquer CAMARADA de armas.

           MAMA SUME

           Abraço

           Ricardo

Nota: Cerimónia da entrega de crachás aos Alf. Ricardo (37ª), Filipe, Alves, Cabaço, Galvão (37ª) e Pacheco após realização da operacional  na Mini Ciroco do Léua, que foi realizada em 15 Outubro de 1972 sob o comando  do Coronel Correia Dinis e Major Pinho Bandeira. Falta na foto o Alferes Nelson que foi integrado numa companhia da Guiné.                          


 

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