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Resumo do 23º Curso de Comandos


 
Após chegada a Luanda, no 1º voo da TAM ( Transportes Aéreos Militares ) efectuado através do Boing-707 em 28-10-1971,os futuros sargentos e oficiais, foram confrontados com uma situação que era de todo insólita,visto terem partido do continente com temperaturas na ordem dos 8 a10 graus,  vestidos com uniforme nº1 preparado para o frio da metrópole e depois ficaram expostos a temperaturas na ordem dos 30 a 35 graus, e com um grau de humidade a rondar os 85%. E porque estávamos formados, logo começaram os primeiros desmaios. Não esquecer que os praças já tinham embarcado para Angola no dia 23 de Outubro de 1971, a bordo do navio "Vera Cruz". No entanto, passado algum tempo surgiram as viaturas que nos iriam levar até à zona do autódromo, seguindo pela baixa de Luanda, a fim de que a população nos prestasse uma reconhecida homenagem pela chegada da metrópole. Agora sim, o corpo de instrução estava à nossa espera, para dar as "boas vindas" a todos os instruendos. Nunca imaginei que o dito "Capim" fosse tão alto ultrapassava em altura as viaturas, e quando as mesmas avançaram pelo capim a dentro nada se via até que, num abrir de olhos, fomos confrontados com uma formação espectacular, em que todo o corpo de instrução estava devidamente ataviado com calça camuflada e camisola branca, todos lado a lado, no que era um espectáculo digno de ser visto. Metia respeito, e ao mesmo tempo dava forças para mais tarde podermos usufruir de igual capacida já que em todos eles viamos os verdadeiros "Comandos". Surge então a ordem para abertura das malas e bagagens; lá se foram as minhas reliquias, que com tanto carinho ajudei a acondicionar e, naquele momento, foram fazer parte de um monte enorme, pois muita gente pensou como eu e, dessa forma, lá se perderam todas as recordações e mimos trazidos do Continente. Posteriormente distribuíram-nos marmitas, e conduziram-nos até ao local para montagem de  todas as tendas, para ali colocarmos as malas e, em passo de corrida,fomos convidados a dirigir-mo-nos aos locais devidamente sinalizados, a fim de cortar o cabelo no tamanho "pente zero",tão lindos que as nossas cabeças brilhavam. É uma imagem que fica na memória de todos nós. Mas nada nos demovia relativamente aos nossos desejos de virmos a ser comandos. Venha lá o inicio do curso que se faz tarde! Assim foi, a 16 de Novembro de 1971, após vários dias aguardando o início do curso na zona do autódromo, chegou o dia em que fomos para o Centro de Instrução de Comandos vulgo C.I.C. Assim, formados em parada, ficámos a conhecer o corpo de instrução e o comandante da unidade, o saudoso Coronel Correia Dinis, para, logo e sem demoras, irmos para as casernas, onde nos distribuiram uma "G3" e 2 cartucheiras assim como o restante material que iria ser utilizado ao longo do curso. Aqui começa a verdadeira odisseia daqueles que, como eu, estavam prontos para o próximo desafio e fazer os possiveis para conseguir o prémio final, ser "Comando". Encher, encher, encher, nunca vi coisa igual, pagas por fazer mal, pagas por fazer bem e depressa, pagas porque tens de pagar, esse é o lema daqueles que não regateiam o mínimo de esforços para incutir ao instruendo todo um "grau de revolta" e lutar, lutar até à exaustão. Palavras e ordens que eram rapidamente assimiladas, e muito dificilmente esquecidas, foram dia a dia, executadas com o máximo de rapidez e prontidão. Recordam o termo "50 completas"? eram obra, senão, reparem: 50 flexões de pernas+ 50 flexões de braços+ 50 cangurus. Mata-borrão, lindo de fazer, de joelhos no chão, mãos atrás das costas, tronco o mais inclinado para trás, cara virada para o lado, agora é só cair para a frente, simples! Cambalhotas, rastejar de bruços, rastejar de costas, não esquecendo os rolamentos ventrais. E não esquecer que a parada é para se proceder às formaturas e nunca para andarmos a passear. Mas uma das surpresas mais agradáveis, foi o surgir de uma música que sempre estava presente e dava alento para ultrapassar todos os obstáculos.
A companhia de instrução era composta por vários grupos de instruendos, sendo um de oficiais, 3 de sargentos e os restantes de praças. No final do    primeiro dia da chegada ao C.I.C. e após o toque de silêncio, chegou o aviso através da instalação sonora, acompanhada da música "donne moi ma chance", em que fomos avisados para formar em uniforme de combate. E o que seria o uniforme de combate? Logo percebemos que estava o caldinho preparado para o inicio do paga, paga, acima, abaixo, rasteja e volta para dentro da caserna até que todos mas todos, ficassem vestidos a rigor com o camuflado. Esta situação repetiu-se umas quatro ou cinco vezes até que, chegado o momento, lá nos meteram em viaturas e saímos do C.I.C. com destino à primeira grande prova do Curso de Comandos.



PROVA DE CHOQUE OU PROVA DA SEDE

É aqui que começa a verdadeira prova de choque ou prova da sede. As viaturas rodaram durante toda a noite, passando pelo Cacuaco, Caxito, e após algumas paragens, lá começa o alvorecer, a uns quilómetros do Úcua e, depois de nos indicarem onde iríamos montar o bivaque ou acampamento, procedeu-se à formatura da bandeira. Seguidamente e depois de uma noite inteira aos tombos nas viaturas e sem dormir, começa a dita ginástica aplicada ou educativa, vulgo GAM e, logo de seguida, uma corrida louca em torno do perímetro do acampamento que só parou quando parte dos instruendos já tinha caído, por desmaio ou cansaço. Os instruendos caídos, eram transportados para a zona da enfermaria, onde lhes eram diagnosticadas as causas, e logo que recompostos, voltavam novamente para a instrução. Aquilo que sentíamos era uma enorme sede e calor provocado pelo esforço físico e uma grande preocupação pela falta de água, já que só era distribuído um cantil por dia para beber,lavar a cara e fazer a barba. Com isto aprendemos a dar valor à água, a perceber melhor a necessidade vital da mesma e a vereficar que beber o conteúdo de uma rolha desse mesmo cantil na hora certa era, por vezes, a diferença entre aguentar ou "arrear". Com esta dureza toda, com instrução extremamente rígida, lá fomos aguentando os 3 dias de prova, mas para muitos já estava terminado o seu caminho, sendo logo eliminados do curso por não terem aguentado a dureza dos exercícios impostos. Após os 3 dias da prova regressámos a Luanda, ao C.I.C. Iniciou-se então uma etapa em que todos, mas todos os dias, às 8,00 horas da manhã, havia a formatura do içar da bandeira, logo seguida da leitura do Código Comando dando inicio ao conjunto de actividades, onde a dureza da instrução estava implícita em todos os actos, nunca esquecendo as sucessivas revistas a todo o equipamento que tinha de estar sempre em ordem, caso contrário o corpo do infractor é que pagava... A instrução era dada em vários e diferentes locais: A Funda era o local que mais vezes frequentávamos, ficando a cerca de 35 quilómetros de Luanda, e a sua vegetação tinha características adequadas à pratica de todas as técnicas de combate mas era povoado por milhões de mosquitos que picavam mesmo por cima do camuflado e deixavam as respectivas marcas que faziam uma tremenda comichão. Era um mosquito próprio de zonas com gado e ficávamos todos muito maltratados. Também tínhamos instrução em Viana e na carreira de tiro da Corimba, onde tudo tinha que ser feito com o máximo de realismo, a fim de enfrentarmos o stresse na sua maior amplitude, para depois iniciarmos então os trabalhos de tiro, já que os exercícios tinham um grande grau de realismo, muito próximo de um, em tudo  real, teatro de guerra.


PROVA DE FOGO

A....../....../...... surgiu mais uma das grandes saídas para fora do C.I.C. e de Luanda. Estas saídas, representam para todo o corpo de instrução, o ministrar de técnicas de combate o mais próximo e equiparado às acções numa verdadeira guerra de guerrilha, como aquela era. Destino " Zona de Mombaça ", perto do Dondo. Aqui permanecemos durante duas semanas, extremamente duras, ficando sujeitos a variadíssimos testes, para determinar quais as possibilidades reais de podermos continuar em frente no curso, nesta tarefa árdua de conseguirmos ser Comandos. Provas de orientação para sargentos e oficiais, onde tivemos que aplicar todos os conhecimentos até à data adquiridos na disciplina de navegação terrestre, e um manancial de esforço e determinação a que todos os dias éramos sujeitos, culminando esta saída com a prova rainha de nome: "PROVA DO FOGO". Era feita através de um percurso circunscrito a 4/5 Km, em que todos os instruendos tiveram de ultrapassar os mais diversos obstáculos, aplicando toda a sua força mas, acima de tudo, não esquecendo todas as técnicas que até à data lhes tingam sido transmitidas. O instruendo é submetido a um rol de situações, onde corre, salta, rasteja e progride em técnica de apróximação ao inimigo, em zig zag, não esquecendo as cambalhotas. Enquanto o instruendo seguia o seu percurso, era surpreendido com disparos vários, nunca sabendo quando os mesmos eram efectuados e de onde vinham, obrigando-o ao mais que esgotante esforço de reagir sempre da forma mais adequada, até porque o corpo de instrução estava no local para o observar convenientemente e registar todas as suas atitudes e reacções. Surge a maldita vala, local bastante difícil de passar, onde o corpo de instrução nos obrigava a rastejar de costas e com arame farpado por cima de nós, iam perguntando "Queres ser Comando" ? Perante a resposta afirmativalá éramos contemplados com uma pazada de lodo,dejectos e óleo queimado das viaturas neste muito difícil obstáculo. Posteriormente era necessário atravessar outra vala cuja passagem era feita por cima de mesma através de um toro ensebado para maiores dificuldades criar ao instruendo e, logo após este obstáculo, surge nova dificuldade quando nos entregavam um outro toro de um tronco de árvore com o peso entre os 15 a 20Kg que teria de ser por cada um transportado ao ombro, num percurso na ordem de 1Km. Atingido o final, fomos sujeitos aos maiores "galanteios" por parte de um Sr. Capitão que de tudo nos chamou; mas esta era uma batalha ganha, nada nos demovia no propósito de sermos no futuro, Comandos. Recebemos então 10 litros de água para tomarmos banho, mas a mesma só deu para retirar toda a porcaria agarrada ao camuflado, e beber, beber até cair para o lado. No final das duas semanas, regressámos ao C.I.C. "Luanda", onde fomos contemplados com um fim de semana. Mais uma vez, vários instruendos foram eliminados nesta fase do curso de Comandos. Por esta altura estávamos com 2 meses de curso, tudo era força e pujança física.



A SEMANA MALUCA

Mais uma saída do C.I.C. com destino à zona de Freitas Morna, situada perto da povoação de Ambriz para o norte de Luanda, junto ao rio Loge, a fim de aplicarmos novas técnicas de combate e, paralelamente, avaliar no seu todo o quanto já evoluimos em todas as vertentes de treino até então já ministradas. A instrução é cada dia mais dura e desgastante, no entanto todos os instruendos procuram assimilar as regras do jogo, não desistindo mas, ao contrário, lutar para que todos os companheiros elevem bem alto o sonho de ser "Comando". O corpo de instrução brindou-nos com uma passagem por Ambriz, a fim de observarmos aquela praia maravilhosa. Mas, posteriormente, trocou-nos as voltas e, após um dia de instrução normal, passados largos minutos, ouviu-se um toque através da instalação sonora, que mais não era do que o toque para refeição. E que refeição.... serviram-nos o pequeno almoço e eram cerca das 7 horas da tarde, ali já noite pois em Angola, seja em que altura do ano for, às 18h é sempre noite. Logo ficámos  saber, do inicio de mais um dia de instrução normal. Mas que de normal nada tinha, era sim o inicio da "Semana Maluca". A "semana maluca" altera todas as horas do dia, assim, a alvorada passa a ser às dezanove horas, o pequeno almoço, às dezanove e trinta, a formatura do içar da Bandeira às vinte horas, almoço às vinte e quatro horas e jantar às seis da manhã. Se não houvesse "instrução nocturna", o toque de silêncio era às dez da manhã, ou seja, ficava tudo ao contrário, o dia "era"  noite e vice-versa. Para culminar esta semana maluca, fomos sujeitos a uma prova de orientação que terminou na "Pedra Verde" e que, no mesmo local, mais concretamente na fazenda " Maria Fernanda ", se procedeu a uma emboscada, contra o possivel inimigo. Finda esta instrução, regressámos a Luanda. A partir deste momento, ganhamos mais um "bónus", uma mochila com duas rações de combate no seu interior. A instrução continuou, e as saídas para Viana e carreira de tiro da Corimba, foram retomadas como regra, até novas etapas surgirem mas, no horizonte, tudo era mais claro, o fim estava mesmo ali, ao nosso alcance, nada mas mesmo nada, nos iria derrotar nesta caminhada dura, longa, sinuosa, extremamente gratificante.

PROVA DE ÁGUA

Após um dia normal de instrução ministrada na zona da Funda, regressamos ao C.I.C. onde, depois de procedermos a uma formatura geral, embarcamos em viaturas "berliets", em direcção à estrada de Catete, junto ao campo militar do Grafanil. Aí chegados, apeámo-nos das viaturas e iniciámos uma marcha forçada na ordem dos 30Km, sempre pela parte de fora do arame farpado, vedação essa que contornava, toda a zona militar. Chegados à zona de Belas por volta das 22 horas, foi-nos servido um cantil de vinho e uma sandes de pão escuro, assim como uma peça de fruta. Depois da pequena paragem para saciar a fome e a sede que, ao mesmo tempo, nos contraiu os músculos devido ao arrefecimento noturno, somos encaminhados em direcção à praia e, por volta das 24 horas entrámos dentro de água, sempre com a água pelo pescoço, segurando a G3 acima da cabeça até atingirmos a zona frente ao morro dos veados, local com bastante vegetação e com uma altitude perto dos 150 mt. É bom recordar que ao sairmos dentro de água, e ultrapassado este obstáculo, pois tivemos que o subir e descer, fomos confrontados com um desconforto total, pois a temperatura dentro de água é aceitável e, cá fora sujeito a uma brisa marítima, todo o corpo arrefece. Mas ultrapassado o morro, retomamos a caminhada aquática e voltou novamente tudo ao normal, mais quentinhos, assim progredindo até á exaustão total, pois os nossos corpos, já não tinham grande estímulo para reagir adequadamente ao que nos era pedido. No entanto continuamos a marcha até que por volta das 5 horas e 30 minutos alcançamos a praia da Corimba o que perfez uma caminhada bem extensa dentro de água, ao longo da costa. Devido ao vento que se fazia sentir, mais dificuldades tivemos, porque os nossos camuflados estavam encharcados com um frio de arrepiar. E, para ajudar à festa, ao sairmos dentro de água rebolamos em cambalhota, para "mais confortáveis nos sentirmos" mas, o arraial não tinha terminado pois, o regresso ao C.I.C., foi feito através de berliets descobertas, para melhor sentirmos a acção do vento que batia nos nossos corpos enregelados. Mas a dificuldade maior seria o desconforto dos camuflados estarem húmidos e cheios de sal da água do mar, e repletos de areia. Sentimo-nos autênticos croquetes enregelados.Chegados ao C.I.C. fomos tomar um banho rápido, mudar de roupa e novo dia de instrução se seguiu. A prova de água era mais um obstáculo ultrapassado. O curso atingiu quase o ponto rotura, todos estávamos cansados bem assim como o próprio corpo de instrução, visto estarmos, quase sempre, no limite das nossas capacidades. Mas faltava a prova final, o tira teimas, aquela onde iríamos mostrar todas as nossas aptidões como combatentes responsáveis, nunca perdendo a capacidade de reagir ao mais difícil dos obstáculos a que fossemos sujeitos. Aqui tivemos que aplicar todas as técnicas que nos tinham ensinado.


                                                                                                 A PROVA  OPERACIONAL 

A última prova do 23º curso de comandos, teve lugar após mais de 3 meses de instrução, em zona de alguma actividade inimiga. E ficou conhecida com o nome de Operação "AÇUCENA PURPURA", realizada no lugar de Bela Vista, na Zona Militar Norte (ZMN), de 28 de Fev. a 03 de Mar.72; os grupos foram largados por meios auto, e todos desenvolveram a sua actividade operacional ao longo da margem do rio Loge. Ao final do terceiro dia fomos recuperados para o aquartelamento da Bela Vista. A companhia de instrução regressou ao C.I.C. a Luanda através de meios auto, nas conhecidas "berliets" no dia 04 de Mar. de 1972. No dia 07 de Mar. de 1972 terminou o 23º Curso de Comandos com a cerimónia de imposição de "CRACHATS" e a entrega do guião da Companhia. A 37ª C.Comandos rendeu na RMA a 25ª C.Comandos.  





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